Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

A Ciência Reprodutiva

A reprodução sexuada caracteriza-se pela existência de dois fenómenos fundamentais: a fecundação e a meiose. A fecundação é a fusão de uma célula masculina com uma célula feminina, originando um ovo ou zigoto. Durante a fecundação dá-se a duplicação do número de cromossomas, o que faz do zigoto uma célula diplóide. Esta é a primeira célula do novo indivíduo. Recebeu um lote de cromossomas de cada um dos gâmetas, um de origem paterna e outro de origem materna. Estes formam pares e chamam-se cromossomas homólogos. Começa agora a vida.

A meiose é um fenómeno que compensa a fecundação, reduzindo para metade o número de cromossomas. É um processo complexo, que tem duas divisões sucessivas. Cada célula mãe com 2n cromossomas origina 4 células-filhas, tendo cada uma n cromossomas. Na profase da primeira divisão ocorre o crossing-over, em que os cromatídeos dos cromossomas homólogos trocam entre si segmentos de material genético. Inicialmente dá-se uma fraca espiralização da cromatina e os cromossomas estão finos e longos, não se avistando os cromatídeos. Os homólogos emparelham, são as díadas cromossómicas ou bivalentes. Este processo ocupa cerca de 90% da meiose. A recombinação genética é aleatória e contribui para a variabilidade genética.

A espécie humana tem uma fórmula cromossómica complicada, 23 pares de cromossomas, 44A+xx na mulher e 44A+xy no homem e a maior parte das características hereditárias resulta de efeitos multifuncionais. O carótipo humano é constituído por 46 cromossomas. Estes são constituídos por ADN, ácido desoxoribonucleico e são os responsáveis pela transmissão de informação hereditária. Este ácido é constituído por 4 substâncias químicas, a adenina, a timina, a guanina e a citosina. Os genes são segmentos de ADN e distinguem-se entre dominantes, que produzem efeito mesmo quando só existem num par e recessivos, produzindo somente efeito quando estão presentes nos dois cromossomas do par. O genótipo é o conjunto das heranças genéticas e o fenótipo é o conjunto das características do indivíduo que resultam do genótipo e do meio. O ser humano é um ser inacabado biologicamente; quando nasce ainda não tem todas as suas competências desenvolvidas, o que é uma grande vantagem pois possibilita-lhe melhor aprendizagem e desenvolvimento.

Na verdade a meiose é constituída por diversas fases, a profase, já referida, a metafase, quando os cromossomas se dispõem aleatoriamente na placa equatorial e presos ao fuso cromático, a anafase, onde ocorre a separação dos cromossomas e afastamento para os pólos opostos e a telofase, que é a despiralização cromossomática e a formação de dois núcleos haplóides. Estas mesmas fases repetem-se na fase II concluindo, assim, o ciclo e a contribuição para a grande variabilidade genética, assegurando a sobrevivência de evolução das espécies.

Mas nem sempre ocorre deste modo regular e sequencial. Podem dar-se falhas, erros. Um gene é uma sequência específica de pares de nucleótidos que codifica um determinado polipéptido. Basta haver uma pequena alteração na sequência dos pares de bases azotadas para que se sintetize um polipéptido diferente do que estava originalmente codificado. É um gene novo, alelo do primeiro, que ocupa o mesmo locus no cromossoma. É uma "gralha" genética que vai alterar todo o código. Estes fragmentos podem ser colocados em várias posições.

E o que acontece quando esta "gralha", esta não comunicação se dá? Um dos distúrbios mais conhecidos é o síndrome do "grito do gato", que acontece num braço mais curto de um dos cromossomas do par nº 5. Manifesta-se através de diversas malformações, como a microcefalia, atraso mental, quociente de inteligência baixo e modificações da laringe, o que provoca um som semelhante ao miar do gato em sofrimento.

A trissomia 21 afecta o par 21, que inclui outro cromossoma, ficando assim, na totalidade 47 e não 46. Também conhecido por mongolismo ou Síndrome de Down, manifesta-se por alterações de desenvolvimento físico e intelectual, anomalias nas mãos e pés e uma expressão facial caracterizada por maçãs do rosto salientes e olhos oblíquos, devido a uma particularidade na pálpebra superior.

Outro caso é o síndrome de Klinefelter ou trissomia xxy e pode resultar tanto da não separação dos cromossomas x durante a ovogénese, como da não separação dos cromossomas xy durante a espermatogénese. Os indivíduos afectados são do sexo masculino e possuem uma série de características anómalas.

A não disjunção dos cromossomas sexuais implica a formação de gâmetas sem nenhum cromossoma sexual. Dão origem a um zigoto de guarnição cromossómica xo, o que origina a chamada monossomia xo ou síndrome de Turner, que se manifesta pela baixa estatura e ausência de caracteres sexuais secundários.

De referir ainda um outro síndrome, o da supermasculinidade, que é o resultado de uma mutação cromossómica que só afecta os homens e ocorre durante a segunda divisão da meiose levando à formação de um outro cromossoma y. Esta trissomia xyy encontra-se em pessoas muito agressivas mas sem malformações fisiológicas e morfológicas.

Apesar da ciência ter evoluído, de se conhecerem novos caminhos e novas técnicas, a natureza ainda consegue tornear todas as descobertas, todas as leis e todas as teorias cientificamente aceites. É um desafio constante, um labirinto que leva a várias encruzilhadas e que continua a dar muitas dores de cabeça aos investigadores. Toda a tecnologia disponível ainda não consegue evitar estes "erros" que continuam a acontecer e que servem para provar que continuamos a evoluir, que o ser humano é um ser inacabado.

Marlene e David conheceram-se, como tantas pessoas o fazem. Entre eles estabeleceu-se uma ligação profunda e, sem qualquer constrangimentos, deram-se um ao outro. O amor é grátis, não obedece a regras e as leis não protegem os jovens que se amam. O código civil é de sentimentos e de emoções e nada mais pode ser dito para alterar.

Desta relação foi gerado um fruto, um bebé que se tornou amado e desejado como a perpetuação de dois seres que foram bafejados com o calor do amor, esse sentimento que escasseia e que deixa todos desorientados. Tudo parecia correr bem até ao dia em que o Rodrigo nasceu. A tormenta abateu-se sobre estes pais já que o pequenino, aquele que conhecia a luz do dia, mantinha a sua pura e nobre inocência.

O menino não tem rosto e nada lhes foi dito no sentido de estarem preparados para uma situação limite. Estiveram sempre tranquilos pois o médico nunca lhes disse que havia algum problema. Foi nessa circunstância que o Rodrigo veio ao mundo e, mesmo antes de se ouvir o seu primeiro choro, já o amor dos pais transbordava. Um filho é um milagre e uma bênção.

Contrariamente às expectativas, a criança é uma lutadora e já festejou mais um aniversário. O médico foi logo ilibado, como é costume neste país, de qualquer crime que possa ter cometido. Nos dias de hoje, os exames médicos mostram as irregularidades e os supostos. Não foi assim e o Rodrigo, um simples bebé, conheceu os braços dos progenitores que o aguardavam. Mãe é sempre mãe e pai sabe ou aprende a o ser.

Marlene recebe 61,00 euros pela deficiência do seu filho, aquele que o médico afiançou ser perfeito. Para cuidar dele que, como se sabe, tem necessidades especiais, há um complemento de apoio à 3ª pessoa de 110,00 euros. O médico não sofreu qualquer tipo de penalização. A mãe é cuidadora enquanto ele viver. Faz ginástica com o que tem e continua a amar o seu filho.

David é o pai e Marlene a mãe. Continuam a viver a sua vida sem que venham gritar para as redes sociais, a sua revolta e bem grande que deve ser. Não foram chorar para os programas dos vários canais de televisão. Continuam a cuidar do seu filho, o que foi feito com amor e compreensão. 171,00 euros é o valor que o estado português entende que serve para dar qualidade de vida a esta mãe e a este filho.

Rodrigo é um mistério para a ciência. As probabilidades de se manter vivo após o nascimento eram ínfimas. Continua nos braços de quem o ama, mesmo com a imensa dor que possam sentir. A perfeição não existe mas o amor faz milagres, curas poderosas e cria valências que se desconheciam. Os pais, pessoas dignas, estão a resguardar o seu filho, aquele que criou ainda um maior laço entre eles.

O amor não pode ser quantificado. Nem a dor. Contudo existem mínimos e a vergonha de entregar este valor humilhante a quem tanto precisa de ajuda, prova como somos todos iguais, ou seja, números que são calculados sem se saber onde estão as pessoas. Outros recebem valores escandalosamente elevados sem nunca terem dado o mínimo de contributo ao país. Just saying...

O amor pode ser uma dor tão profunda e aguda que, mesmo que continue a doer, ainda consegue estender os braços e receber em seu seio, o símbolo da esperança e da felicidade. Afinal o que é esta coisa da felicidade? Momentos ou restos de episódios que tiveram o condão de fazer sorrir. Assim se eterniza a vida.