Por Ondas do Mar de Vigo
Myriam Jubilot de Carvalho
Fernando Reis Luís: um poeta algarvio
- Partilhar 22/06/2021
O Homem e o Mar
“O mostrengo que está
no fim do mar
Nesta colectânea,
Marés & Maresias,
Fernando Reis Luís, poeta algarvio,
confirma-se como mais um poeta do mar, em
Língua Portuguesa. O mar – que é tema
natural dos povos que o têm por paisagem,
cenário, e horizonte, e povoa a poesia
portuguesa desde os seus primórdios
medievais. A abrir a colectânea, um poema
que lhe anuncia o percurso temático, uma
viagem ao eu
interior. No poema seguinte,
Cabo Ocidental,
desenha-se o promontório de Sagres e São
Vicente.
Em 1929, um outro
poeta algarvio, Cândido Guerreiro, dedicava
uma colectânea de sonetos ao mesmo cabo –
“Promontório Sacro”.
Há, porém, uma
profunda diferença entre
Marés & Maresias
e Promontório
Sacro. Neste
último, o mar insere-se no imaginário
colonial e imperial português, ainda ao
gosto sobrevivente do Romantismo
conservador. O mar é uma exaltação da
grandeza da alma lusa, na linha da épica
camoniana. É, assim, um tema exterior ao Eu
poético, e uma explanação de mestria
versificativa. Em
Marés & Maresias,
pelo contrário, o mar é metáfora e
interiorização do tema da viagem, da
aventura, do confronto com os monstros (mostrengos)
que assaltam o desafio que é viver.
Na poesia de
Fernando Reis Luís há uma interiorização da
paisagem e do horizonte, e o mar torna-se
essência e motor da linguagem poética.
Enquanto em Camões e Cândido Guerreiro o mar
foi um motivo épico, em Fernando Reis Luís o
mar torna-se um motivo lírico – lírico no
sentido etimológico, de
criação poética de
expressão subjectiva, destinada a ser
acompanhada pela lira.
O verso de
Fernando Reis Luís flui livre, e
desenrola-se num caleidoscópio de
vocabulário escolhido, embora de modo algum
pretensioso; é uma navegação metamorfoseada
em palavras. O
barco
– o sujeito poético – navega entre o mar e o
céu, exaltando não só o desejo de aventura,
mas a própria aventura de viver. Faz uma
releitura dos eternos temas da efemeridade
da existência humana, e da recordação da
juventude, mas de forma pessoal, sem cair em
tons de nostalgia. Mesmo o tema da viagem,
quase obsessivamente repetido, nada tem a
ver com as costumadas referencias à “gesta
marítima” , reportando-se sim à viagem
interior que só pode ter como porto de
chegada a Sabedoria, num confronto entre o
Homem e a sua força interior, com a Vida,
como o Velho e
o Mar de
Hemingway.
De facto, já é mais que tempo de libertarmos a nossa alma colectiva dos mitos do Passado, e criarmos caminhos novos.
Prefácio de “Marés & Maresias”
Myriam Jubilot de Carvalho,
15 de Novembro de 2014
- n.26 • julho 2021