Letras e Traços
José Maria de Oliveira
SENOFOBIA?
- Partilhar 01/11/2021
Todos lhe
chamam a terceira idade, pessoalmente (por
que cada segundo da nossa existência é uma
idade, porque sempre foram imprecisas e
aleatórias todas as tentativas de
compartimentar a existência, pois desde
sempre o falacioso pseudo/binómio cartesiano
alma-corpo, derrapou nas matrizes desta
anomalia do “oito ou oitenta” - conhecemos
gente velha “nova” e gente nova “velha”)
costumo chamar aos mais vividos e usados os
veteranos da vida…
O envelhecimento traz,
para além das vicissitudes próprias da
biologia humana, por princípio, a acumulação
de experiência, sabedoria, simplicidade e
tolerância. Os anos trazem, por regra, uma
maior abertura, generosidade e emoção às
relações humanas.
Subir nos anos ou
crescer no tempo e avançar com dignidade,
paciência e perseverança é sempre um trajeto
vitorioso!
Hoje há países que promovem e
auscultam cada vez mais os velhos. Os
senados são uma prova disso. Concordo
plenamente com o já gasto slogan “parar é
morrer” … e nada mais triste do que ver
muitas vezes gente válida, sub alheada ao
desabrochar constante da Vida, dormitando
pelos bancos dos jardins ou sonambulicamente
anestesiados frente a um ecrã de televisão
ou dum facebook de saudades!
Ser velho é
uma vitória da vida sobre a morte. Uma
dádiva de Deus. Ser velho pode ser também um
privilégio para quem pode desfrutar dos seus
conhecimentos, aprofundar a sua consciência
espiritual ao encontro (para os que têm
consciência disso) da “unidade” com o Todo,
que nos “roubaram” quando nascemos e nos
imprimiram os padrões convencionais das
personalidades sistémicas em que o nosso Ego
se encolhe para dar lugar a uma mentalidade
padronizada, egóica e infeliz…!
Quem não
gosta dos avós?
Talvez muitos sofram de
“senofobia” (aversão a tudo o que é velho)
por encararem a “velhice” como a
decrepitude, o espantalho da morte: o fim e
não a meta da existência o salto para a
liberdade suprema da eternidade… o eterno
retorno onde todos estão com todos e tudo
está com todos…
A sociedade hoje não é
mais perversa nem mais cruel do que sempre
foi desde que o homem tomou consciência do
eu, do tu e do nós. Apenas os paradigmas se
alteraram e a solidão veio para ficar,
paradoxalmente, numa altura em que o mundo
tem mais gente.
Anda agora por aí o
“novo” homem o “homotelemovilense curvado”
virtual alimentado na energia dos campos
eletro-magnéticos dos centros comerciais do
mundo virtual…
Que tipo de velhos darão
estes jovens de hoje, amanhã?
Cada vez
há mais famílias monoparentais e gente
solitária e triste, que já procura o calor
duma companhia no aluguer de amigos,
bonecos, cães, gatos ou duma “palmilha
electrónica” sem ontem, hoje ou amanhãs …
Avó!!! Onde estás???
Avô!!! Vamos
passear ao jardim!
E que tal uma partida
de bisca a quatro; com uns bagacinhos???
Que é feito do velho clã, com as famílias
sentadas à lareira ouvindo estórias de
sempre enquanto uma mão cheia de brasas
luminosas aquecia no borralho um caldo feito
de aromas e segredos ancestrais que só os
velhos sabiam?
Que sociedade é esta que
nos “obriga” a despejar para fora de casa os
nossos entes mais queridos (e falo também
das crianças despejadas nos infantários),
numa idade em que mais precisam do Calor
Humano?
Hoje os “estados humanistas”
(aqueles que creem que o Homem é ainda o
inventor do “MUNDO” mesmo com as suas
mazelas, mas também com os seus ninhos de
Amor e Sonhos) tendem a singrar contrariando
e combatendo os antigos “credos” alheados,
na prática, do mais importante da vida: O
Sentimento de Si, a Empatia e o Amor!
O
espaço-tempo não para, é preciso geri-lo
abrangentemente num mundo que ainda é o
nosso e o único! Não há duas Terras.
Aqui e agora, numa tarde de outono chuvosa
bem perto de Deus, sentindo a carícia doce
duma chuva desejada e uma melodia de sempre,
acabo esta crónica num desabafo e num abraço
nostálgico.
Deixo-vos com uma quadra de
António Aleixo:
O Homem sonha acordado…
Sonhando a vida percorre
E desse sonho
dourado,
Sá acorda quando morre!
Há
que manter vivo o Sonho, porque quando ele
morre a Vida acaba!!!
- Avô. Onde estás?
Conta-me uma história:
-Era uma vez…
- n.30 • novembro 2021