Contemplações


A paisagem natural como elemento de fruição
Francisco Gil

Segundo os dicionários e enciclopédias, o conceito de Arte é uma atividade humana ligada a manifestações de ordem estética. Diz respeito ao que se considera ser uma criação dos humanos, quando são aplicados os saberes e o domínio teórico e prático na produção de artefactos – escultura, pintura, música, etc, para serem admirados e fruídos.

Os artistas, criadores de arte, são os autores de algo novo, original, que se destaca de outros trabalhos, pela excelência das técnicas utilizadas e pela criatividade demonstrada em relação ao comum e usual. O adjetivo criador – aquele que cria, que inventa algo novo – tanto aproxima o/a artista de Deus ou dos Deuses (os criadores de todo o universo), como ao mesmo tempo reduz a sua criação a um patamar inferior em relação à obra natural. Por exemplo, a representação de uma árvore em desenho, pintura ou escultura, pode ser considerada uma obra de arte pela complexidade das técnicas utilizadas ou pela originalidade da sua representação. No entanto, o elemento natural representado, por ser uma “criação” da natureza, é a obra original, é o modelo primordial. Este é o entendimento clássico da obra artística na representação da natureza: uma mera cópia da criação divina.

Em contraste com o antropocentrismo dominante, sensibilizados pela proteção da natureza e pela sustentabilidade, assistimos hoje, à fruição e contemplação da criação natural como se de uma exposição artística se tratasse. Em muitas regiões com paisagens naturais protegidas, existem percursos e itinerários para uma aproximação e valorização dos espaços naturais e de outros olhares para a natureza não humanizada.

No planalto do Colorado, situado no continente americano, a oeste das Montanhas Rochosas, existem algumas das mais impressionantes obras naturais formadas pela erosão. A ação do tempo: as chuvas, os ventos, as variações de temperatura formaram ao longo de milhares de anos paisagens naturais que impressionam, não só pela dimensão, mas sobretudo pelos detalhes, pela originalidade e diferença com outras formações mais ou menos comuns do espaço natural. É por isso que grande número de visitantes se deslocam todos os anos aos famosos parques naturais americanos situados no planalto, como o Antelope Canyon, Bryce Canyon, Grand Canyon, Zion, entre outros.

No Utah, perto de Moab no Arches National Park, existe um arco natural em arenito vermelho com aproximadamente 15 metros de altura e com uma forma tão interessante, que passou a ser um dos símbolos do próprio estado do Utah. Conhecido como Arco Delicado (Delicate Arch) é, de facto, uma autêntica maravilha da escultura geológica. Para se chegar ao arco há que fazer um percurso de alguns quilómetros por uma área árida, numa exigente caminhada, o que torna ainda mais gratificante o encontro com o arco natural.

Têm-nos ensinado, ao longo do nosso percurso de vida, a apreciar e fruir as mais variadas criações humanas, mas o prazer e fruição que se sente no contacto com obras naturais, fazem-nos refletir sobre a própria dimensão humana. O deslumbramento que muitos visitantes sentem e exprimem perante as paisagens naturais, são o reflexo de uma progressiva mudança de paradigma, onde se começa a valorizar cada vez mais o todo a que pertencemos e a urgente necessidade de se defender o património natural, um bem comum de todos e para todos.

(2019-09-13)