
Memórias do Futuro
Fábio d'Abadia de Sousa
A escravidão sem fim no Brasil
- Partilhar 15/11/2023

Em 1888, o Brasil, forçado por países
economicamente mais desenvolvidos na
época, como a Inglaterra, decretou
oficialmente fim da escravidão da
população negra seqüestrada na África.
Mas, na prática, a escravidão continua
no País, fato que é reconhecido pelo
próprio Governo Federal, por meio do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),
através da publicação anual da lista dos
novos “empregadores” (empresários dos
mais diversos setores - até nos grandes
festivais de musica, fazendeiros e donas
de casa que escravizam mulheres para
funções domésticas) flagrados a submeter
pessoas pobres ao trabalho escravo e
degradante. A maioria dos “libertados”
são pessoas pretas e pardas. Em outubro
de 2023, foram divulgados pelo MTE, 204
nomes de empresários e pessoas físicas
flagrados e autuados pela prática do
trabalho “análogo à escravidão”. Mais de
500 escravizados foram libertados, entre
eles mulheres, crianças e adolescentes.
A prática da escravidão pela elite
branca brasileira é tão descarada que,
em julho de 2023, toda a imprensa
brasileira divulgou que fiscais do
Ministério Público de Trabalho e
policiais federais tiveram que invadir a
casa de um desembargador do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, para resgatar
uma mulher negra surda e muda mantida
por mais de 30 anos como escrava
doméstica. A mulher trabalhava todos os
dias da semana, do amanhecer ao
anoitecer, sem receber nenhuma
remuneração. Com a repercussão da
notícia, alguns deputados da Assembléia
Legislativa de Santa Catarina ocuparam a
tribuna da casa para prestar
solidariedade não à mulher escravizada,
mas ao magistrado escravizador, por ter
acolhido a mulher negra “não como
empregada, mas como filha”.
Essa
história lembra um pouco o comportamento
da elite branca brasileira logo após a
decretação do fim da escravidão, em
1888. Políticos e outros segmentos
influentes da sociedade da época se
uniram para pedir indenização não para
os escravizados, mas para os
ex-proprietários de escravos, por terem
sido lesados pelo dacreto governamental
de libertação da população negra.
Esse comportamento mesquinho da
elite brasileira foi o grande
responsável pela enorme desigualdade
entre brancos e negros no Brasil, o que
repercute até os dias de hoje e que faz
com que a escravidão se perpetue. Uma
das raras iniciativas com o objetivo de
elevar a renda da população descendente
de escravos, a política de cotas
para ingresso nas universidades
públicas, foi adotada somente em 2013,
há 10 anos, no governo Dilma Roussef. E
em 2018, a política de cotas para negros
foi ampliada para o ingresso no serviço
público federal. Começa-se a observar os
primeiros resultados positivos, com uma
tímida ascensão social dos descendentes
de escravos “libertados”, talvez o termo
melhor seria “abandonados”.
Provavelmente, serão necessárias ainda
décadas até que a população negra deixe
de ser o segmento mais vulnerável
economicamente da sociedade brasileira.
Até lá, talvez, ainda teremos que
conviver com notícias de resgates por
fiscais do Ministério do Trabalho de
pessoas escravizadas pela elite que fez
e faz sua fortuna com o suor do trabalho
alheio.
- Ano V • novembro 2023