Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

A escravidão sem fim no Brasil

Em 1888, o Brasil, forçado por países economicamente mais desenvolvidos na época, como a Inglaterra, decretou oficialmente fim da escravidão da população negra seqüestrada na África. Mas, na prática, a escravidão continua no País, fato que é reconhecido pelo próprio Governo Federal, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da publicação anual da lista dos novos “empregadores” (empresários dos mais diversos setores - até nos grandes festivais de musica, fazendeiros e donas de casa que escravizam mulheres para funções domésticas) flagrados a submeter pessoas pobres ao trabalho escravo e degradante. A maioria dos “libertados” são pessoas pretas e pardas. Em outubro de 2023, foram divulgados pelo MTE, 204 nomes de empresários e pessoas físicas flagrados e autuados pela prática do trabalho “análogo à escravidão”. Mais de 500 escravizados foram libertados, entre eles mulheres, crianças e adolescentes.

A prática da escravidão pela elite branca brasileira é tão descarada que, em julho de 2023, toda a imprensa brasileira divulgou que fiscais do Ministério Público de Trabalho e policiais federais tiveram que invadir a casa de um desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, para resgatar uma mulher negra surda e muda mantida por mais de 30 anos como escrava doméstica. A mulher trabalhava todos os dias da semana, do amanhecer ao anoitecer, sem receber nenhuma remuneração. Com a repercussão da notícia, alguns deputados da Assembléia Legislativa de Santa Catarina ocuparam a tribuna da casa para prestar solidariedade não à mulher escravizada, mas ao magistrado escravizador, por ter acolhido a mulher negra “não como empregada, mas como filha”.

Essa história lembra um pouco o comportamento da elite branca brasileira logo após a decretação do fim da escravidão, em 1888. Políticos e outros segmentos influentes da sociedade da época se uniram para pedir indenização não para os escravizados, mas para os ex-proprietários de escravos, por terem sido lesados pelo dacreto governamental de libertação da população negra.

Esse comportamento mesquinho da elite brasileira foi o grande responsável pela enorme desigualdade entre brancos e negros no Brasil, o que repercute até os dias de hoje e que faz com que a escravidão se perpetue. Uma das raras iniciativas com o objetivo de elevar a renda da população descendente de escravos, a política de cotas

para ingresso nas universidades públicas, foi adotada somente em 2013, há 10 anos, no governo Dilma Roussef. E em 2018, a política de cotas para negros foi ampliada para o ingresso no serviço público federal. Começa-se a observar os primeiros resultados positivos, com uma tímida ascensão social dos descendentes de escravos “libertados”, talvez o termo melhor seria “abandonados”. Provavelmente, serão necessárias ainda décadas até que a população negra deixe de ser o segmento mais vulnerável economicamente da sociedade brasileira. Até lá, talvez, ainda teremos que conviver com notícias de resgates por fiscais do Ministério do Trabalho de pessoas escravizadas pela elite que fez e faz sua fortuna com o suor do trabalho alheio.