reflexões in verso
Afonso Dias
prime time
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prime time
a
senhora da tv
teve um orgasmo
ortofónico
e dois
e mais
até
que por fim
articulou consolada
“ai a guerra meu deus !...”
mas deus
não estava
prá ditadura do prime
time
não estava para aí virado
para aí vidrado
para a guerra
nem de frente
nem de costas
estaria mais de soslaio
de viés
na
esguelha
no sossego
dos
santuários
quiçá mais disponível
para rezas
vigílias calmas
civilizadas
como o chá de camomila
que apazigua pela sonolência
e pelo
sexo nunca
ai o sexo
esse
descabelado,
desembestado
destrambelhado
descontrolado
todo
tremuras e “chiliques”
que não
pacifica
antes acende os carnavais
mas enfim
enxota as aranhas
e
sossega
os temporais
os
interiores
mas os demais
dos
negócios
da indiferença
dos lucros
dos eunucos
que vestem trajes de
medo
fardam velho e vingativo
e
trazem o pecado antigo
que sempre há
e que tem
de expiar-se
de pagar-se
agora ou logo
como é de lei
como
é da lei
do castigo
ejaculai
metralha
eu vos digo
pagai com
metralha nova
a velha metralha
tatuada
de silêncio morto
(mais
velha é a estupidez
do que o divino)
é preciso
que haja sempre alguém
sempre novo
de novo
a pagar o
pecado
da mãe
da avó
do avô
do tetravô
de herodes
de judas
de stalin
de hitler
da harpia que
os pariu
da mulher que os rejeitou
do phalo que não se ergueu
do pai
tirano
da santa ingrata
da santa
ingrácia
que não acaba uma obra
que não acaba
ámen
caríssimos
irmãos
odiai-vos uns aos outros
(e
nem perdoeis
os inocentes
os
colaterais)
queridos poetas
por onde andais
a minha porta está
sempre aberta
entrai
- n.34 • março 2022