Afonso Dias

reflexões in verso

Afonso Dias

poema do borda d’água

poema do borda d’água

cada dia é de seu santo
e hoje 6 de fevereiro
domingo e sem pinga d’água
é o da santa doroteia
e mais de são paulo miki
(escrito assim mesmo com K)

certifica o borda d’água
almanaque lá de casa
longevo como o dianho
de noventa e três invernos

mais vos digo que lá li
que neste dia nasceu
em mil seiscentos e oito
um menino que haveria
de vir a ser o vieira
que conversava com os peixes
e sermoava aos escravos
em terras de vera cruz
onde floriu o carnaval
mais a santa bossa nova
ambos ora amordaçados
pela bolsonaria peste
e as coroas de veneno

(mas por onde é que eu já vou
que ainda acabo no amor
ou a falar passarinhos)

o borda d’água é que veio
visitar este poema
apareceu-me ele em seia
ali à serra da estrela
pela mão da mulher búlgara
a quem eu dei os dois euros
que melhor gastei na vida

sábio das ervas de cheiro
e dos tempos de plantio
de chuvas neves e orvalhos
do oráculo das luas
dos dias disto e daquilo
de festas e romarias
de horóscopos e purgas
que limpam o intestino
de rezes e pastorícia
mestre em marrãs parideiras


conhece os santinhos todos
o meu mestre borda d’água
que me alagou a lembrança
e me trouxe felicidade
(e a falta que ela me faz)
e com fumos de hortelã
me deu estes versos tolos
que ora aqui vão perfumados

ficai ainda a saber
que o sábado dia 20
‘inda do mês fevereiro
tem por santo o eleutério
e nele nasceu o nemésio
da terceira o bom poeta
e é o dia mundial
da justiça social

vem tudo no borda d’água
que é culto e tem serventia
ora lede ora estudai

6.2.2022

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