reflexões in verso
Afonso Dias
o meu sítio
- Partilhar 26/07/2021
o meu sítio
no
meu sítio
(que
é onde eu quero)
sei aonde estão
a
cómoda
a prateleira
o estendal
a paisagem
o computador
as
fotografias
as flores
e sei
o
lugar da mesinha dos segredos
à
cabeceira da cama certa
com a gaveta
velada
maçónica
atulhada de
truques
e duendes cúmplices
porque é no meu sítio
(por muito que
o meu sítio mude de sítio)
que
está o altar da segurança
e o azeite
sem acidez
a alumiar o apetite
e o
leito ajeitado
ao baloiço das
madrugadas exactas
e eu preciso
sempre e tanto
de voltar ao meu sítio
que é onde sei que é
a certeza
às vezes distrai-se o amor
e
perde-se
no meu sítio
(que é os
meus sítios todos)
e a perdição de
amor
instala sempre um frio
muito
azul
com ressonâncias boreais
cálidas e mentirosas
a prometerem
ondulações brandas
onde a beleza
prometida
só gela inércia lúgubre
e mais nada
mas tudo é perfeito
e resolúvel
no meu sítio
essa é
que é essa
e surge sempre na carência
dos actos
um gesto sábio
que vem
porque é preciso
a desenhar os
caminhos
por onde seguem as horas
e porque é tudo verdade no meu sítio
o medo fica sempre lá fora
arredado
dos lugares de abrigo
que ergo em
volta
de todos os sítios
do meu
sítio
às vezes
arrepios
impertinentes
afloram tolos
pele
adentro
mas são de afecto
apenas
e fazem falta
regularmente a
insónia
vem aos solavancos
e o
tempo fica desolado
e bêbado
a
cambalear as horas
porém outras vezes
a insónia vem clara e recheada
de
poemas e afagos
ou de preguiça
a
reclamar vigília
ampla e generosa
qual ama de leite
flamenga e plena
e pela vigília viajam risos
e
embaraços
com pessoas
e luz
inquietação
e sombras
tudo
falta
e tudo há no meu sítio
e é
assim que tem de ser
no meu sítio
até há
uma voz permanente
a ditar
acordes a jobim
e uma canção de paul
simon
a tecer as cortinas
que não
há
“let us be lovers...”
sem o meu sítio
cá dentro
não
teria para onde voltar
depois de ir
26.7.2021
- n.27 • agosto 2021