Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

O Espaço da Arte

Quando se fala dos principais atores da história, nos livros, na escola, no cinema ou na TV, o que vemos são referências a grandes figuras masculinas que terão influenciado a humanidade e a sua história ao longo de séculos. Nesse grupo de pessoas, destacam-se os cientistas, líderes religiosos, militares, políticos e filósofos. São poucos os artistas e poucas as mulheres referenciadas.

As artes, como as entendemos hoje, com a sua forte componente prática e manual, é tendencialmente considerada uma atividade menos nobre que as atividades predominantemente intelectuais.

Sendo a nossa sociedade, uma sociedade patriarcal baseada fundamentalmente em valores judaico-cristãos, onde o patriarca tinha sob seu poder a mulher, filhos, escravos e demais animais domésticos, não é de estranhar que a história se faça no masculino. O masculino visto como força física e mental, poder, coragem, agressividade, centrado na figura do homem másculo e viril.

Não se estranhe assim que predominem nos livros oficiais, os homens como as grandes figuras da humanidade e que mais influência tiveram na sua história. Michael H. Hart em 1978 no livro A Ranking of the Most Influential Persons in History apresentou uma classificação das pessoas mais influentes da história e nenhuma delas é uma mulher.

Em Portugal, foi só após a instauração de um regime liberal no século XIX que foi possível uma mulher – em 1889 – concluir um curso superior na universidade. Na questão do direito de voto, só em 1911 uma mulher pôde votar em Portugal, após requerimento para tribunal, onde obteve sentença favorável.

Na religião, nas ciências e nas artes, os livros estão cheios de nomes masculinos que fazem parte do nosso imaginário na liderança e nas vanguardas. As mulheres dificilmente tiveram um espaço de destaque na história antiga da humanidade.

Nas artes plásticas, em Portugal, e no período anterior à revolução liberal do século XIX, conseguimos encontrar um nome feminino: Josefa de Óbidos, a pintora do século XVII que se especializou nas naturezas mortas e que foi uma rara exceção à regra, quebrando muitos dos cânones de uma sociedade conservadora, ao estabelecer-se profissionalmente como pintora. Foi só no século XX, que viriam a destacar-se outros nomes como Aurélia de Sousa (1866-1922), Vieira da Silva (1908-1992), Menez (1926-1995), Maluda (1934-1999), Paula Rego (1935) e Graça Morais (1948), entre outras. Recentemente temos assistido ao grande impacto mediático de Joana Vasconcelos cuja obra assenta na apropriação, descontextualização e subversão de objetos pré-existentes e realidades do quotidiano.

Nos tempos atuais, devido à globalização e à maior abertura social e cultural da nossa sociedade, outras mulheres têm desenvolvido atividade artística na área plástica e visual, revelando grande capacidade criativa e particular sensibilidade estética.

Um dos casos mais interessantes é o de Susana Piteira, que tem trabalhado sobretudo a pedra, com intervenções sobre o território, seja rural ou urbano. Um dos aspetos mais salientes na sua obra, é a profundidade na definição das formas, onde o objeto artístico ganha uma forte dimensão poética, revelando interessantes cumplicidades com o meio onde se inserem.

É neste contexto, de diversidade e igualdade de oportunidades, que é estimulante olhar o mundo e os outros – na sua singularidade – e valorizar a expressão livre e a intervenção nos diferentes contextos, sem preconceitos nem amarras.